FAM 2009: Os Mortos

por Felipe Moraes

O que aconteceu com a comédia?, ou melhor, o que aconteceu com o cinema? Se o tom hiperbólico da pergunta não parece condizente com o que poderia suscitar um filme como Los muertos van deprisa, é porque o que ele representa como sintoma é muito mais preocupante do que aquilo que ele nos apresenta como narrativa. Longe aqui de querer parecer alguém que proclama a auto-importância do seu tempo e aponta esse filme como indício de alguma coisa, de um entorpecimento ou declínio do cinema. Porque ora, filmes ruins sempre existiram, e sempre existirão. A questão não é necessariamente essa, pois o que me incomoda não é o fato do filme ser ruim. O que é estarrecedor na verdade, é o fato dessa morosidade ser ampla e facilmente aceita pelos espectadores, de nunca desconfiarem daquilo que vêem, e ao menor sinal de situação cômica responderem com enrubescidas gargalhadas.

Se a comédia algum dia foi a “imitação dos homens inferiores”, da ridicularização, daquilo que torpe, isso já não parece fazer sentido algum. E se algum dia a comédia foi crítica de uma condição humana, social ou política, ela já não é mais. Na verdade, o filme se revela um conto moral sobre um “singelo e pitoresco” povoado na Galícia, a partir de onde se desenvolvem diversas situações por conta de um caminhão preso em uma ponte e que impede a realização de um funeral. Desde o começo o desastre está instaurado. Não como construção cômica, mas como narrativa em si. O filme consegue facilmente se perder entre tentar um alcance dramático, como a relação entre o protagonista e a mulher do farol, e a dos seus filhos (as referências a Romeu e Julieta são constrangedoras), e em fazer rir, com piadas fáceis, eliminando completamente os efeitos de mise-en-scène, montagem ou qualquer recurso expressivo para a construção cômica do filme.

A narração ao começo e ao final do filme enuncia certo estado de caracterização daquele lugar, ao mesmo tempo em que diz algo que pode ser resumido como “ah, o povo da Galícia é assim mesmo, tão distintos e tão iguais”. Essa celebração de si mesmo, da adesão à própria cultura, do olhar codificado sobre si, é o que de mais problemático possui o filme. Quando ao final, aqueles personagens todos celebram sei lá o quê, isso fica tácito. A comédia se transforma num mecanismo em prol daquele lugar, de afirmação dos valores daquele povoado. Ridicularizar não tem a função de desagregação, justo o oposto, a comédia é algo domado, seguro, uma piada que ao fim do filme agrega positivamente tudo àquilo do qual satirizou.

A sensação que fica ao final da projeção do filme de Ángel de la Cruz – e me permitindo aqui um trocadilho com seu título – é de que os mortos não vão depressa. Pelo contrário, eles se arrastam cada vez mais lentamente através da tela do cinema.

1 thought on “FAM 2009: Os Mortos

  1. Felipe, gostaria de fazer algumas considerações: fui um destes espectadores seduzidos pela morosidade da película, e consegui dar umas boas risadas descompromissadas. O filme parece buscar justamente isso, estar no limite da superficialidade; a crítica que o filme parece sugerir, está mais preocupada em pequenas taras e comportamentos do que na esquematização do povoado da Galícia, o que chamaste ironicamente de ‘conto moral sobre um singelo e pitoresco povoado’. Não senti também, em nenhum momento, que há uma celebração de si mesmo na atitude do filme. A constelação simbólica que parece buscar é de conto de fadas; talvez você diria então: por quê situar em um lugar real, como a Galícia? Há por certo uma ironia nisto: e creio que vem, do fato de ser uma província autônoma, conseguiram se desvencilhar da Espanha e resguardar suas peculiaridades, será que a ligação de um “povo teimoso” que o filme jocosamente compara com percevejos, venha disto?
    O que queria dizer sinteticamente é que o filme se torna engraçado pela sua despretensão. O próprio mote “caminhão preso na ponte” é um alento a isso. Menos do que um desastre, é uma amostra do microcosmo que pretende instaurar.
    Não acho um grande feito este filme, mas tampouco acho que seja um desastre como apontaste.

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